O fenómeno da toxicodependência remete para uma realidade complexa, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, de ambos os sexos e oriundas das mais variadas classes sociais, e que transcende todo o tipo de barreiras geográficas, culturais ou socioeconómicas. Não se restringe somente ao uso indevido de substâncias, mas envolve também uma série de consequências que degradam a saúde física e mental, para além do impacto negativo causado
nas famílias e nas comunidades.
Conceito, Componentes e Diagnóstico
Em termos de conceito, a toxicodependência é também conhecida como dependência química ou dependência de drogas, e consiste numa doença caracterizada pelo uso abusivo e compulsivo de substâncias psicoativas, que provocam alterações no estado mental, como euforia, sensação de bem-estar ou relaxamento. Este estado de dependência é profundamente marcado por uma combinação de fatores psicológicos, físicos e comportamentais que se reforçam mutuamente e estabelecem um ciclo vicioso, no qual a pessoa procura constantemente voltar a experimentar o conjunto de sensações induzidas pelo consumo de substâncias.
Para uma compreensão mais pormenorizada da toxicodependência, é possível distinguir este conceito em três componentes:
(1) Dependência física: ocorre quando o corpo de uma pessoa adapta-se à presença constante de uma droga, o que resulta na necessidade de consumir quantidades cada vez maiores da substância para alcançar os mesmos efeitos. Este padrão de comportamento é denominado como tolerância. Quando o consumo de uma droga é interrompido ou reduzido, a pessoa pode experimentar sintomas de abstinência, que variam dependendo da substância, mas
podem incluir tremores, náuseas, vómitos, dores musculares e, em casos graves, convulsões. A dependência física provem de alterações neuroquímicas no cérebro, particularmente nos sistemas de recompensa e de prazer. Drogas como opioides, álcool, nicotina e benzodiazepinas são particularmente conhecidas por causar dependência física;
(2) Dependência psicológica: caracterizada por um desejo intenso e compulsivo de consumir a droga, motivado por fatores emocionais e mentais. Esta forma de dependência é sustentada por um conjunto de memórias e de associações entre o uso da substância e os respetivos efeitos como sensações de prazer, de alívio do stress ou de refúgio para problemas emocionais. A dependência psicológica pode ser tão poderosa quanto a física, levando a um
comportamento contínuo de procura pela droga, mesmo quando não há sintomas de abstinência física. Alguns fatores como traumas passados, transtornos mentais (como a depressão e a ansiedade), baixa autoestima ou dificuldades em lidar com emoções podem aumentar a vulnerabilidade à dependência psicológica;
(3) Comportamento compulsivo: refere-se à incapacidade de uma pessoa de parar de consumir a droga, mesmo quando está ciente das consequências altamente negativas para sua saúde, para as suas relações familiares e sociais, e para a sua vida profissional e bem-estar geral. Este comportamento advém de um desajuste nos mecanismos de controlo e de tomada de decisão no cérebro e é impulsionado por uma necessidade incontrolável de consumir a
substância.
Embora as componentes da toxicodependência possam ser analisadas de forma isolada, na prática estão interligadas e reforçam-se mutuamente. A título de exemplo, a dependência física pode ampliar a dependência psicológica, à medida que a pessoa tenta evitar os sintomas de abstinência. Da mesma forma, a dependência psicológica pode conduzir ao comportamento compulsivo, alimentando assim um ciclo contínuo de consumo da droga.
Nos que diz respeito ao diagnóstico da toxicodependência, este por norma implica uma avaliação minuciosa levada a cabo por profissionais da saúde mental que recorrem a critérios específicos, definidos pelo Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Estes critérios incluem a presença de tolerância à substância, sintomas de abstinência, uso de substância em quantidades maiores ou por períodos maiores do que o planeado, persistência do
uso apesar das consequências negativas, negligência familiar, profissional e social, entre outros.
Tipo de Drogas Comuns
A toxicodependência envolve uma extensa variedade de substâncias, cada uma com seus próprios efeitos, riscos e sintomas de dependência. As mais comuns são:
(1) Álcool: uma das substâncias mais usadas e abusadas no mundo. O álcool pode causar dependência física e psicológica e despontar graves problemas de saúde, como doenças do fígado, problemas cardíacos ou distúrbios mentais;
(2) Nicotina: uma substância do tipo estimulante, encontrada em cigarros e noutros produtos de tabaco, a nicotina é altamente viciante. O seu consumo ininterrupto pode originar doenças pulmonares e cardíacas e ainda potenciar o aparecimento de alguns tipos de cancro;
(3) Cannabis: embora seja popularmente consumida para fins recreativos ou até medicinais, o seu uso recorrente pode causar dependência. Em casos mais avançados, a cannabis pode mesmo ser responsável pela degradação de algumas faculdades mentais como a memória ou a concentração;
(4) Cocaína: outra substância do tipo estimulante, é considerada uma das drogas mais viciantes pelo seu poder estimulante e pela sensação de euforia que gera. O seu consumo acarreta elevados riscos para a saúde, uma vez que pode desencadear problemas cardíacos, acidentes vasculares cerebrais, convulsões ou problemas psicológicos como paranoias ou alucinações;
(5) Heroína: substância que pertence ao tipo opioide, extremamente viciante pelas sua capacidade de proporcionar uma intensa sensação de euforia e bem-estar. O consumo de heroína comporta sérios riscos como a possibilidade de uma overdose fatal, doenças infecciosas, como o HIV, devido ao uso de seringas partilhadas ou problemas de ordem respiratória.
Medicação Psiquiátrica na Toxicodependência
O tratamento eficaz da toxicodependência exige uma abordagem que pode incluir intervenções psicossociais (como terapias de grupo, terapias motivacionais ou terapias cognitivo-comportamentais) e, em muitos casos, a administração de medicação psiquiátrica. Este tipo de medicação pode desempenhar um papel crucial em várias fases do tratamento da dependência química, desde a desintoxicação inicial até à manutenção da abstinência e o tratamento de transtornos que surgiram como resultado do abuso de drogas.
A fase de desintoxicação visa, essencialmente, a remoção da substância do corpo do paciente e a respetiva gestão dos sintomas da abstinência. Neste sentido, algumas medicações específicas ajudam a aliviar este tipo de sintomas e a tornar o processo mais confortável. Por exemplo, medicamentos como a metadona ou a buprenorfina são usadas para reduzir os sintomas de abstinência de pessoas dependentes de heroína ou outras drogas opióides e terapias de reposição de nicotina à base de pastilhas, sprays ou medicamentos como a vareniclina reduzem o desejo de fumar. Posteriormente, e caso o paciente responda de forma positiva à desintoxicação, avança para a fase da manutenção da abstinência na qual a medicação é aplicada para efetivar os efeitos da abstinência a longo prazo e reduzir o desejo de
voltar a consumir. A naltrexona, que bloqueia os recetores de opióides no cérebro e previne os efeitos prazerosos da heroína, ou o acamprosato que atua nos sistemas de neurotransmissores do cérebro para reduzir o desejo de álcool, são alguns exemplos de medicação psiquiátrica para manter a abstinência do consumo de drogas. Por fim, consumidores de substâncias ilícitas têm uma probabilidade muito grande de desenvolver outro tipo de transtornos como depressão, ansiedade, transtorno bipolar ou até esquizofrenia e o seu tratamento é importante para uma
recuperação bem-sucedida da dependência. Antidepressivos como alguns inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) são usados para tratar a depressão e alguns transtornos de ansiedade, que frequentemente coexistem com a dependência química; os antipsicóticos são utilizados para estabilizar o humor e reduzir os sintomas da psicose; e os ansiolíticos como as benzodiazepinas podem ser usadas para tratar a ansiedade severa, embora o seu uso seja geralmente limitado e cuidadosamente monitorizado devido ao seu potencial de criar
dependência.
Por fim, é imperativo destacar a importância da prevenção, da educação e do suporte contínuo para os indivíduos que se submeterem a um logo e doloroso processo de recuperação. Entender as drogas mais comuns, os riscos associados à medicação psiquiátrica e o papel fundamental da psicologia no tratamento da dependência são passos importantes para ajudar aqueles que sofrem e lutam contra o abuso de drogas a encontrar o caminho para a recuperação e uma vida saudável.