Nos confins de uma cidade corroída pelo tempo e pela indiferença, onde os edifícios erguiam-se como sentinelas cansadas e as ruas serpenteavam como rios de cimento, vivia uma alma perdida chamada Ezequiel. O seu espírito, outrora brilhante como o amanhecer de verão, navegava agora pelas sombras crepusculares da existência, enredado nas garras insidiosas do vício. A substância que controlava Ezequiel, um veneno açucarado que se dissolvia nas suas
veias como mel a escorrer pela colina, era um espectro sedutor que sussurrava promessas de alívio e libertação. A sua mente, embriagada pela novidade, acolheu-a como um amigo que traz um presente encantador. E eis que subitamente os sentidos são apurados, as cores tornam-se mais vibrantes, os sons mais melodiosos, e a realidade, por um breve instante, transforma-se num conto de fadas. Ezequiel sentia a agulha perfurar a sua pele como um beijo traiçoeiro, um amante fatal que lhe entregava a euforia em troca da sua vitalidade. Cada injeção era um ritual,
uma dança macabra entre a vida e a morte. A cada dose, o vício penetrava ainda mais as suas raízes, como uma hera que se enroscava numa árvore, sugando-lhe a alma. Contudo, esta metamorfose era temporária. Era uma miragem que ocultava o deserto de destruição prestes a vir e uma ilusão cruel que arrastava cada vez mais Ezequiel em direção às profundezas do desespero.
O corpo de Ezequiel, antes um templo sagrado que transpirava vigor e saúde, deteriorava-se sob o ataque incessante comandado por este invasor insaciável. As suas veias tornaram-se rios poluídos que contaminaram os seus órgãos. A sua pele transformou-se num mapa de cicatrizes e feridas que narram uma história de sofrimento e degradação. A mente de Ezequiel virou o epicentro de uma tempestade furiosa que arrasou aquilo que antes havia sido um
jardim fértil de pensamentos e sonhos e semeou um campo de batalha devastado, onde os ecos da sanidade lutavam desesperadamente contra os rugidos do vício. O vício ergueu muros bem altos em redor da consciência, isolando Ezequiel do mundo exterior e de si próprio. A perceção do tempo e do espaço distorceu-se, e a realidade, aquela companheira constante e firme, fragmentou-se em cacos de desilusão e paranóia. As relações, as pontes que conectavam corações, começaram a ruir, desgastadas pelo peso das mentiras, da deceção e da traição. Os
amigos que em tempos partilhavam alegremente risos e sonhos distantes, agora eram sombras, afastados pela névoa do vício que consumia Ezequiel. E a sua família, um alicerce aparentemente inabalável, desmoronava lentamente, incapaz de suportar o tormento que Ezequiel carregava. O vício assumiu a forma de um parasita cruel, que se alimentava vorazmente da luz e da vitalidade do seu hospedeiro, deixando apenas um rastro de sombras e destruição. Era como um feiticeiro astuto, que enfeitiçava e escravizava Ezequiel. Cada momento de euforia era pago com juros exorbitantes de dor e de desespero, e cada instante de alívio era seguido por um abismo de agonia. A esperança, essa estrela que costumava conduzir Ezequiel nos momentos de escuridão, esgotava o combustível e apagava-se lentamente…
Mas, do meio da escuridão opressiva, surgiam momentos de clareza, como raios de sol que rasgavam o céu nublado. Nestes instantes fugazes, Ezequiel vislumbrava uma saída, uma pequena esperança de redenção. Sabia que a jornada seria árdua, uma escalada íngreme contra os seus próprios demónios. Porém, o desejo de se libertar, de encontrar novamente o brilho perdido da sua alma, começava a crescer dentro dele como uma chama tímida, mas resistente. A
luta de Ezequiel contra o abuso de drogas era uma batalha travada no campo da sua mente e do seu corpo. Cada dia era uma guerra e cada decisão uma bifurcação no seu caminho. E, apesar de todas as quedas e recaídas, Ezequiel levantava-se, impulsionado por uma força interior que se recusava a ser apagada. Nos escombros da sua alma, Ezequiel compreendia que a verdadeira liberdade viria não apenas da abstinência, mas da reconciliação consigo mesmo. Era altura de perdoar os seus próprios erros, aceitar as suas fraquezas e encontrar a coragem para seguir em
frente. Assim, Ezequiel caminhou rumo ao desconhecido, como um peregrino em busca da luz no vale das sombras. E, enquanto o nevoeiro do vício começava a dissipar-se, Ezequiel redescobria a beleza das pequenas coisas como o calor do sol ou o sorriso de um estranho. Pequenos milagres que, um dia, talvez, o ajudassem a encontrar o caminho de volta para si mesmo. E, quem sabe, um dia, Ezequiel poderia olhar para trás e ver não apenas os destroços de uma vida despedaçada, mas também as sementes de uma nova esperança, que florescia entre as ruínas.